Artigo da autoria da Drª Élia Dias (Psicóloga Clinica)
À medida que as crianças se desenvolvem – física, cognitiva e emocionalmente – são levadas a procurar a independência dos vários adultos aos quais estão vinculadas. “Eu faço” é a palavra-chave, à medida que as crianças usam a sua capacidade motora e cognitiva para tentarem fazer tudo à sua maneira: não apenas andar, mas comer, vestir, protegerem-se a si próprias e expandirem as fronteiras do seu mundo (Papalia, Olds & Feldman, 2001).
Erikson (1950) identificou o período entre os 18 meses e os 3 anos de idade, como o segundo estágio ou crise no desenvolvimento da personalidade, denominado autonomia versus vergonha e dúvida, o qual é marcado por uma mudança do controlo externo para o autocontrolo.
Tendo atravessado a primeira infância com um sentido de confiança básica no seu mundo e uma autoconsciência a despertar, as crianças começam a substituir o julgamento das figuras parentais pelo seu próprio julgamento. A “virtude” que emerge durante este estádio é, pois, a vontade. O treino do controlo esfincteriano é um passo importante no sentido da autonomia e do autocontrolo; a linguagem também o é. À medida que as crianças são mais capazes de fazer compreender os seus desejos, tornam-se mais fortes e independentes.
Dado que, segundo Erikson, a liberdade sem limites não é segura nem saudável, a vergonha e a dúvida são necessárias, pelo que um equilíbrio adequado é crucial. A dúvida sobre si própria ajuda a criança a reconhecer aquilo que ela ainda não está preparada para fazer, e a vergonha ajuda-a a aprender a viver sob regras razoáveis. As crianças precisam que os adultos lhes estabeleçam os limites apropriados, e a vergonha e a dúvida ajudam-nas a reconhecer a necessidade desses limites.
Os, vulgarmente chamados, “terríveis dois anos” são uma manifestação natural do movimento para a autonomia. As crianças têm de testar a nova conceção de que são indivíduos, de que têm algum controlo sobre o seu mundo e de que têm novas e excitantes capacidades. Testam as suas novas ideias, exercitam as suas preferências e tomam as suas próprias decisões. Este movimento geralmente revela-se sob a forma de negativismo, a tendência para gritar “Não” simplesmente para resistir à autoridade. Quase todas crianças revelam negativismo até certo ponto; geralmente tem início antes dos 2 anos de idade, atinge o seu máximo entre os 3 anos e meio e os 4 anos e meio e declina pelos 6 anos. Os pais e outras figuras parentais/significativas que encaram as expressões de vontade das crianças como uma luta natural e saudável pela independência e não como uma teimosia, podem ajudá-las a adquirir autocontrolo, podem contribuir para o seu sentido de competência e evitar conflitos excessivos.
Deste modo, é importante que os pais procedam ao estabelecimento de regras e limites adequados e à sua monitorização constante, no decorrer das etapas de desenvolvimento das crianças. Assim, e de uma forma geral, até aos 18 meses o “não” é utilizado mais por questões de segurança, embora quando se utiliza, o deva dizer-se de forma gentil mas firme, porque o que motiva a criança é a sua curiosidade. Nesta idade o bebé ainda não compreende as frases na negativa e por isso deve dizer-se o comportamento desejado e não a frase negativa desse comportamento, ou seja, em vez de “Não te ponhas em pé na cadeira” à Dizer: “Põe os pés no chão”; utilizar o redireccionamento da ação para outra ação mais segura para o bebé mas que não o faça perder a curiosidade demonstrada.
Aos 18 meses as crianças são como pequenos cientistas e farão coisas só para testarem até onde poderão ir com os pais. Mais do que entrar em batalhas de poder com a criança, tenha em mente duas opções e depois deixe-o escolher e assim evita a resposta típica do “não”. É importante começar a definir as regras, aquilo que a criança pode fazer e quais os castigos, caso não o faça.
Abaixo encontram-se algumas orientações, fundamentadas na investigação, que podem ajudar os pais e as crianças a atravessarem os “terríveis dois anos” desencorajando o negativismo e encorajando comportamentos socialmente aceites (Haswell, Hock & Wenar, 1981; Kochanska & Aksan, 1995; Kopp, 1982; Kuczynski & Kochanska, 1995; Power & Chapieski, 1986):
ü Seja flexível. Aprenda quais são os ritmos naturais da criança e o que esta gosta e não gosta. Os pais mais flexíveis tendem a ter filhos menos resistentes.
ü Pense em si próprio(a) como um porto seguro, com limites seguros, a partir dos quais a criança pode partir e descobrir o mundo – e voltar continuamente para obter apoio.
ü Torne a sua casa “amiga das crianças”. Decore-a com objetos inquebráveis, que sejam seguros para a criança explorar.
ü Evite a punição física. É muitas vezes ineficaz e pode levar a criança ainda a fazer mais estragos.
ü Ofereça uma alternativa – mesmo que seja limitada – para dar à criança algum controlo. Por exemplo: “Queres tomar banho agora ou depois de lermos um livro?” (antes ou depois tomará sempre o banho, mas teve hipótese de escolher o momento).
ü Seja consistente em fazer cumprir os pedidos necessários. Muitas crianças recusam-se a obedecer para demonstrarem o seu controlo, mas na verdade não sentem realmente aquilo que dizem e eventualmente irão obedecer.
ü Não interrompa uma atividade a menos que seja absolutamente necessário. Tente esperar até que a atenção da criança tenha mudado para outra coisa qualquer.
ü Se tiver de interromper, avise: “Temos de ir embora do parque daqui a pouco”. Isto dá tempo à criança para se preparar e terminar a atividade ou pensar em reiniciá-la numa outra altura.
ü Associe os pedidos a atividades agradáveis: “É altura de pararem de brincar, para irem comigo à loja”.
ü Relembre à criança aquilo que espera: “Quando formos para o parque, não deves nunca passar o portão”.
ü Espere alguns momentos antes de repetir um pedido quando a criança não obedece imediatamente.
ü Use a “retirada” para acabar com conflitos. De um modo não punitivo, retire-se a si próprio(a) ou à criança da situação. Muitas vezes, isto resulta na diminuição ou mesmo no desaparecimento da resistência.
ü Lembre-se que pode ser mais difícil para as crianças pequenas obedecerem aos “Faz” do que aos “Não faças”. Por exemplo, “Arruma o teu quarto” implica mais esforço do que “Não escrevas nos móveis”.
Apesar de existirem dicas que na prática podem ser treinadas, não existe um manual de instruções para seguir (cada criança é uma criança, única e singular). Acima de tudo, é importante manter a atmosfera tão positiva quanto possível; a chave para fazer com que as crianças queiram cooperar passa por manter uma relação calorosa e agradável.
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